Eu já escrevi um texto sobre isso quando a proposta de redução da maioridade penal foi aprovada na CCJ. O texto de hoje pretende ser muito, mas muito, muito informativo mesmo. A ideia é ser o mais clara possível, e abrir espaço para um diálogo saudável com quem quiser, e for educado o suficiente para isso. Já deixo bem claro, pois nas conversas sobre o tema que me envolvo na internet SEMPRE tem algum “ser” bem ignorante disposto a me ofender por pensar diferente.
A proposta de emenda constitucional de número 171 de 1993 (PEC 171/93), propõe que se reduza a maioridade penal no Brasil de 18 para 16 anos. Hoje, adolescentes entre 12 e 18 anos não são penalmente imputáveis, ou seja, não vão para as penitenciárias e sim para um sistema onde respondem com medidas socioeducativas previstas no Estatuto da Criança e Adolescente (ECA).
As medidas são:
- Advertência;
- Reparação de danos;
- Prestação de serviços à comunidade;
- Liberdade assistida;
- Semiliberdade
- Internação
Quando se aplica a internação, o adolescente fica nos centros socioeducativos (como a Fundação Casa, em SP) no período de 6 meses a 3 anos, passando por avaliação psicológica a cada 6 meses.
Muitos acham isso absurdo, pois defendem que o menor infrator deve ter o mesmo tratamento dado ao adulto, e que se o Brasil fosse um país sério, as coisas não seriam assim. Mas eu acredito que tudo é uma questão de matemática.
Números
Países que reduziram a maioridade penal: 54
Países onde houve redução da violência após a redução da maioridade penal: 0
Espanha e Alemanha, voltaram atrás e estabeleceram a maioridade penal em 18 anos, assim como 70% dos países do mundo, atitude apoiada pela ONU.
Reincidência no sistema penal comum: 72%
Reincidência no sistema socioeducativo: 22%
Você quer tirar o adolescente de um sistema onde ele tem 88% de chances de se recuperar, e jogar em um sistema onde ele tem apenas 28% de chances? Fora que no sistema socioeducativo há atividades e programação, enquanto no sistema penitenciário comum não há intenção de recuperação, além de manter os detentos ociosos.
Tempo de pena decidido por juri comum: De acordo com o crime do infrator
Tempo de pena segundo o ECA: No máximo 3 anos (ou até os 21 anos de idade)
Isso está errado. Mas você sabia que há projetos de reformulação do ECA para aumentar o tempo de internação dos adolescentes? Você sabia que no Canadá um adolescente que comete crime hediondo recebe a pena do sistema comum, mas a cumpre internado em instituições socioeducativas para que seja recuperado? Você sabia que as tentativas de adaptar o ECA enfrentam uma burocratização desnecessária? Você sabia que é muito mais fácil e eficiente aumentar o tempo de internação dos adolescentes do que joga-los no sistema comum? Toda essa realidade é ignorada para que uma proposta populista como a PEC 171/93 seja aprovada.
(Veja aqui 13 projetos de lei alternativos para redução da maioridade penal)
Importante: O sistema carcerário precisa de atenção URGENTE! A sociedade e o poder público precisa recupera-los como é feito com os adolescentes hoje. A questão é que jogar adolescentes nesse sistema falido é andar pra trás. Evoluir, é aplicar os princípios de recuperação do ECA no detento adulto!
Posição do Brasil em população carcerário no ranking mundial: 4°
Posição do Brasil no ranking mundia de violência-assassinatos: 16°
Casos de homicídios que ficam impunes: 90%
A UNICEF estima que apenas 1% desses assassinatos são cometidos por menores de 16/17 anos
Se prender reduz a violência, e se temos a 4° maior população carcerário do mundo, pela lógica, deveríamos estar beeeeem lá em baixo do ranking, certo? Quanto menos pessoas tentarmos recuperar, pior vai ser. A taxa de impunidade é muito mais assustadora do que a taxa de crimes cometidos por menores, então por que o foco da discussão não é a impunidade?
Eu não consigo achar respostas para isso, mas vamos para algumas respostas que tenho.
Respostas para o que eu costumo ouvir (muito).
– Se tem idade pra votar, pode pagar pelos seus erros! Bandidão ou bandidinho tem que ir pra cadeia! E você fica aí defendendo esses marginais? Quero ver quando te roubarem ou matarem alguém que você ama. Defensor de vagabundo é vagabundo! Aposto que o seu namoradinho tá na cadeia.
Não estou brincando. Já ouvi tudo isso. Ninguém que é contra a redução da maioridade penal quer ver bandido solto, matando pessoas inocentes e siando impunes. A partir de 12 anos o adolescente já responde por seus atos. A lógica é bem simples, e posso até dar um exemplo pessoal para explicar melhor. Eu fui assaltada no ano passado por dois garotos, um deles armado. Levaram bolsa, câmera, celular, gravador, carteira… tudo. Me deixaram com a chave de casa. Eu garanto que eu prefiro que esse garotos sejam reclusos na Fundação Casa, onde existe uma equipe disposta a recupera-los para que tenham chances de recomeçar a vida sem assaltar mais ninguém quando saírem. Como é possível que alguém queira que eles sigam para um sistema onde só vai receber orientação de pessoas que fizeram o mesmo, ou pior que eles? Se isso acontecer, quando saírem, não vão repetir o que fizeram comigo? Vão sim.
– Nossa, mas 87% da população é favorável a redução. Em uma democracia a vontade da maioria tem que prevalecer.
Mais um dado aqui pra você: sabia que 74% da população é de analfabetos funcionais? Não disse que quem é favorável é analfabeto. O analfabetismo funcional é quando a pessoa lê um texto técnico e tem dificuldades para compreende-lo, ou seja, 74% do país precisa que alguém explique exatamente o que é a redução da maioridade penal e suas consequências, como eu estou fazendo nesse texto. Sabe de quem é essa responsabilidade? Da mídia! Sabe o que a grande mídia faz? Fala sobre o assunto superficialmente e de forma manipuladora. Eu tenho ABSOLUTA certeza de que desses 87% que se dizem favoráveis à redução, pelo menos METADE não teve acesso à informação completa.
– Ah mas os deputados federais tem acesso à informação e a grande maioria votou a favor da lei.
Sim. Eles tem acesso. Mas você sabe como foi feita essa votação? Deputado Eduardo Cunha não conseguiu o número suficiente de votos para passar a PEC pra frente na noite do dia 31 de junho. No dia 01 de julho ele fez com que o texto fosse votado novamente, apenas com algumas poucas alteração. Pode isso na democracia? Não pode não! Isso foi um golpe político que repercutiu no país inteiro. Sabe quem é o Eduardo Cunha que está lutando tanto para que essa lei seja aprovada “pelo bem da sociedade”? O presidente da câmara, denunciado na operação Lava-Jato, que perdoou dívida de 2 bilhões dos planos de saúde em operação duvidosa e que é a favor da terceirização. Ótimo representante da sua opinião em? Eles podem ter o acesso à informação, mas infelizmente a maioria serve a si mesmo.
– Esse papo de que pobre e preto que vai ser preso é furado. Eu nasci pobre, passei necessidade e nunca roubei ninguém. Quem quer estuda e é alguém na vida.
Eu entendo a revolta de quem nunca cometeu um crime e passou por uma vida difícil. Mas o fato, é que alguns poucos encontram um ponto de apoio, seja na família, religião, educação ou até mesmo em uma figura inspiradora que o incentiva. Já a maioria dos adolescentes da periferia crescem rodeados por mensagens de que eles não tem futuro, que precisam de dinheiro pra ajudar em casa ou pra ser aceito socialmente e isso tem que ser rápido. Enquanto a sociedade oferece descriminação, o crime lhes oferece oportunidade. Isso justifica? Não! Mas se focarmos em tratar esse problema ao invés de encarcerar os que são gerados nessa realidade, a coisa toda muda de cenário.
Agora um especial das que eu ouço exclusivamente dos “crentes”.
– A bíblia diz que quem planta colhe! Na lei de Moisés era pena de morte até pra adolescente. Deus não livra ninguém das consequências. Esse seu pensamento esquerdista está contra a palavra do Senhor. Aleluia!
Essa resposta é exclusivamente para esses que se dizem cristãos, pois ninguém é obrigado a seguir os princípios de Cristo, mas eles são. De todas as coisas que eu ouço, essas são as piores. Na minha opinião, é INADMISSÍVEL que um cristão não tenha sequer UM dos frutos do espírito! Eu tento muito manter a longanimidade com esse povo mas confesso que a coisa mais difícil do universo pra mim. Só Deus sabe…
Quem deseja viver por uma lei de Moisés, tem que viver por todas. Não há um salvo, nenhum sequer pela lei de Moisés, até mesmo por sermos “gentios” e não a nação eleita de acordo com a bíblia. Então quem usa o antigo testamento (que regularize escravidão, segregação e cultura hebraica antiga) pra justificar sua opinião já está totalmente descartado de qualquer conversa coerente comigo. Quem quiser apoiar redução da maioridade penal dizendo que Moisés apoiava também não pode cortar o canto da barba, nem comer presunto, nem fazer qualquer coisa no sábado e deve seguir as 613 leis do pentateuco também, ou não tem conversa. Quanto ao plantar/colher e consequências, estão certos. Temos todos que pagar pelo o que fazemos independente da idade mesmo. Mas o quão parecido com Jesus você é quando você prefere que um adolescente seja jogado no pior lugar possível para pagar por seus erros, ao invés de ser recuperado? Acho que nem um pouco.
Cristo nos comprou sem valermos NADA! Quem somos nós pra ir contra uma segunda chance pra qualquer pessoa quando sabemos que as misericórdias dele se renovam todos os dias? Eu aposto que os “santos” que me dizem essas coisas ou nunca foram visitar uma cadeia (como deveriam fazer), ou fazem parte dos 74% dos analfabetos funcionais, ou na pior das hipóteses, são hipócritas e egoístas mesmo. Quando eu vejo Marcos Feliciano, Silas Malafaia e Eduardo Cunha declarando que apoiam a redução, lembro o que Jesus quis dizer quando falou “esse povo me louva com os seus lábios, mas o seu coração está distante de mim”.
Enfim
Espero que esse texto tenha te ajudado a refletir. Não sou dona da verdade, mas a minha opinião tem base e não é um devaneio utópico como alguns dizem. Fico disposta a qualquer conversa, contato que essa seja educada e respeitosa. Não acho que criminoso é coitadinho, mas acredito que todos podem ser recuperados, inclusive você.
Mudar de opinião, nunca é ruim! Faça uma análise de tudo e se engaje em esclarecer seus amigos. O que mais me impulsionou para escrever esse texto não foram as coisas horríveis que ouço com frequência. Foi o fato da pessoa de opinião mais forte que eu conheço, ter começado a mudar de ideia depois das nossas conversas sobre o tema.
Termino esse texto indicando um excelente minidocumentário abaixo lançando pela Carta Capital, que vai te trazer ainda mais pra realidade desse debate: Enquanto a liberdade não canta.