Querido Eustáquio de Nárnia

Hoje comemoramos 60 anos do lançamento do livro “O sobrinho do mago”, o primeiro livro na ordem cronológica dos sete que compõe as Crônicas de Nárnia, de C. S. Lewis.

Por isso, recebi um convite incrível para gravar um vídeo com a Vitória do Blog/Vlog AViViu, sobre alegorias cristãs nas Crônicas de Nárnia. A Vi é uma das minhas melhores amigas (além de internet celebrity) e por isso, sabe que eu sou uma apaixonada pela série. Ela está fazendo um especial, e já aproveito pra convidar todo mundo pra ir lá no canal assistir: Especial Nárnia no AViViu!

Pensei em republicar esse texto que escrevi em agosto de 2013 pois continua sendo meu trecho favorito entre as sete as crônicas. A viagem ao peregrino da alvorada, é o meu livro favorito também, e até gosto da maneira como foi feito o filme apesar dos diversos pecados que cometeram na adaptação, mas se tem uma coisa que jamais vou perdoar, é o fato da Disney ter cortado o diálogo do Eustáquio com o Edmundo.

Para te situar: O livro conta a história de duas crianças (Edmundo e Lúcia) que foram reis de Nárnia mas que tiveram que voltar para o mundo real. Eles vão pela terceira vez à Nárnia, mas dessa vez acompanhado pelo arrogante, reclamão, incrédulo e insuportável primo Eustáquio. Esse garoto chato acaba se tornando um dragão no meio da história e passa a mudar os seus valores. Na verdade ele acaba sendo como dragão, melhor do que como menino. No fim da história, Aslan (o leão criador de Nárnia) o transforma de volta em menino. Entendeu? No filme essa cena da transformação do Eustáquio é MEGA reduzida, e quando ele conta como foi transformado também isenta o telespectador de todos os ricos detalhes. Me revolta.

Portanto, segue abaixo o diálogo completo que começa com o Eustáquio contando para o Edmundo como deixou de ser dragão. O livro completo online está aqui. Mas quer um dica? Compre todos os sete livros. Eu tenho o volume único e não está caro. Leia “As crônicas de Nárnia” e aplique na sua vida. Todos nós somos um pouco (ou muito) Eustáquio, e só existe um Criador que pode nos transformar.

– Não vou contar como virei dragão, pois tenho também de contar para os outros para acabar de uma vez para sempre com isso tudo. Aliás, só soube que era dragão quando ouvi você usar essa palavra medonha naquela manhã em que voltei. Mas vou lhe dizer como deixei de ser dragão.
– Vá em frente – disse Edmundo.
– Bem, na noite passada eu estava mais infeliz do que nunca. Este bracelete horrível me machucava como o quê…
– Não machuca mais?
Eustáquio sorriu – um sorriso diferente daquele que Edmundo conhecia – e facilmente deslizou o bracelete para fora do braço.
– Aqui está – disse Eustáquio. – Se alguém quiser, que fique com ele. Mas, como ia dizendo, estava ali deitado, pensando na minha vida, quando de repente… Mas, pense bem, isso pode ter sido um sonho. Não sei…
– Continue – disse Edmundo, com uma paciência espantosa.
– Bem, seja lá como for… Olhei e vi a última coisa que esperava ver: um enorme leão avançando para mim. E era estranho porque, apesar de não haver lua, por onde o leão passava havia luar. Foi chegando, chegando. E eu, apavorado. Você talvez pense que eu, sendo um dragão, poderia derrubar a fera com a maior facilidade. Mas não era esse tipo de medo. Não temia que me comesse, mas tinha medo dele… não sei se está entendendo o que quero dizer… Chegou pertinho de mim e me olhou nos olhos. Fechei os meus, mas não adiantou nada, porque ele me disse que o seguisse…

– Falava?

– Agora que você está me perguntando, não sei mais. Mas, de qualquer maneira, dizia coisas. E eu sabia que tinha de fazer o que me dizia, porque me levantei e o segui. Levou-me por um caminho muito comprido, para o interior das montanhas. E o halo sempre lá envolvendo-o. Finalmente chegamos ao alto de uma montanha que eu nunca vira antes, no cimo da qual havia um jardim. No meio do jardim havia uma nascente de água. Vi que era uma nascente porque a água brotava do fundo, mas era muito maior do que a maioria das nascentes – parecia uma grande piscina redonda, para a qual se descia em degraus de mármore. Nunca tinha visto água tão clara e achei que se me banhasse ali talvez passasse a dor na pata. Mas o leão me disse para tirar a roupa primeiro. Para dizer a verdade, não sei se falou em voz alta ou não. Ia responder que não tinha roupa, quando me lembrei que os dragões são, de certo modo, parecidos com as serpentes, e estas largam a pele. “Sem dúvida alguma é o que ele quer”, pensei. Assim, comecei a esfregar-me, e as escamas começaram a cair de todos os lados. Raspei ainda mais fundo e, em vez de caírem as escamas, começou a cair a pele toda, inteirinha, como depois de uma doença ou como a casca de uma banana. Num minuto, ou dois, fiquei sem pele. Estava lá no chão, meio repugnante. Era uma sensação maravilhosa. Comecei a descer à fonte para o banho. Quando ia enfiando os pés na água, vi que estavam rugosos e cheios de escamas como antes. “Está bem”, pensei, “estou vendo que tenho outra camada debaixo da primeira e também tenho de tirá-la”. Esfreguei-me de novo no chão e mais uma vez a pele se descolou e saiu; deixei-a então ao lado da outra e desci de novo para o banho. E aí aconteceu exatamente a mesma coisa. Pensava: “Deus do céu! Quantas peles terei de despir?” Como estava louco para molhar a pata, esfreguei-me pela terceira vez e tirei uma terceira pele. Mas ao olhar-me na água vi que estava na mesma. Então o leão disse (mas não sei se falou): “Eu tiro a sua pele”. Tinha muito medo daquelas garras, mas, ao mesmo tempo, estava louco para ver-me livre daquilo. Por isso me deitei de costas e deixei que ele tirasse a minha pele. A primeira unhada que me deu foi tão funda que julguei ter me atingido o coração. E quando começou a tirar-me a pele senti a pior dor da minha vida. A única coisa que me fazia aguentar era o prazer de sentir que me tirava a pele. É como quem tira um espinho de um lugar dolorido. Dói pra valer, mas é bom ver o espinho sair.

– Estou entendendo – disse Edmundo.

– Tirou-me aquela coisa horrível, como eu achava que tinha feito das outras vezes, e lá estava ela sobre a relva, muito mais dura e escura do que as outras. E ali estava eu também, macio e delicado como um frango depenado e muito menor do que antes. Nessa altura agarrou-me – não gostei muito, pois estava todo sensível sem a pele – e atirou-me dentro da água. A princípio ardeu muito, mas em seguida foi uma delícia. Quando comecei a nadar, reparei que a dor do braço havia desaparecido completamente. Compreendi a razão. Tinha voltado a ser gente. Você vai me achar um cretino se disser o que senti quando vi os meus braços. Não são mais musculosos do que os de Caspian, eu sei que não são muito musculosos, nem se podem comparar com os de Caspian, mas morri de alegria ao vê-los. Depois de certo tempo, o leão me tirou da água e vestiu-me.

– Como?… Com as patas?

– Não me lembro muito bem. Sei lá, mas me vestiu com uma roupa nova, esta aqui. É por isso que eu digo: acho que foi um sonho.
– Não, não foi sonho, não – disse Edmundo.
– Por quê?
– Primeiro: a roupa nova serve de prova. Segundo: você deixou de ser dragão… Acho que você viu Aslam.
– Aslam! – exclamou Eustáquio. – Já ouvi falar nesse nome uma porção de vezes, desde que estou no Peregrino. Tinha a impressão – não sei por quê – de que o odiava. Mas eu odiava tudo.

Me emociono cada vez que leio. Quantas vezes temos aquela armadura de coisas ruins que acabam fazendo de nós pessoas terríveis e nem percebemos? O pior, é que quando tentamos mudar sozinhos, parece impossível. Mas quando deixamos Deus nos lavar, nos limpar, nos moldar é fantástico. Mesmo que essa mudança nos façam passar por momentos dolorosos, o resultado é um novo homem, uma nova mulher.

Desejo um ótimo final de semana para todos.

Abraços.

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