Imagem: Miguel Bruna | Unsplash
Comecei a escrever esse texto em novembro, na semana em que o Intercept Brasil publicou o vídeo da violência cometida contra Mariana Ferrer durante o julgamento do seu estuprador. Depois do caso dela, infelizmente muitos outros foram lembrados ou entraram para a lista. Casos que confirmam o quanto é injustamente exigido de uma mulher vítima de violência, para provar a culpa do seu agressor.
Agora uma explicação sobre o termo “estupro culposo”. Segundo reportagem de Schirlei Alves, publicada pelo The Intercept Brasil, o promotor responsável pelo caso, Thiago Carriço de Oliveira, alegou que “não havia como o empresário saber, durante o ato sexual, que a jovem não estava em condições de consentir a relação, não existindo portanto intenção de estuprar – ou seja, uma espécie de ‘estupro culposo’. O juiz aceitou a argumentação.”. O trecho entre aspas é exatamente o que está na matéria do veículo. Ou seja, não há nos documentos do caso a expressão “estupro culposo”, mas sim a explicação do que a absolvição do acusado representa na prática.
Achei necessário dar todo o contexto e essa explicação, pois por incrível que pareça, há pessoas que focaram em questionar a postura do The Intercept na utilização do termo “estupro culposo”, algo que teoricamente não existe. Só que na prática, existe! O termo “inventado” só evidencia o problema real de que, para muitos, a violência sofrida pela mulher é culpa dela.
Um dos fatores que fez o caso chamar tanta atenção nas redes sociais, foi o vídeo da audiência que pode ser assistido aqui (aviso de gatilho para violência contra a mulher), onde o advogado Cláudio Gastão da Rosa Filho mostra fotos sensuais da vítima, como argumento. Juiz e promotor, não entram em defesa de Mariana, não interrompem o absurdo do advogado. Mariana chora, e nada acontece.
Em outro caso recente, a mulher que acusa o jogador Robinho de violência sexual, também teve suas fotos usadas como “argumentos” contra ela. Leia aqui. Essa prática, segundo o advogado da vítima, infelizmente, ainda é recorrente.
Isso se repete sistematicamente, desde quando éramos colocadas nas fogueiras sem direito à defesa, e nossos incendiários continuam soltos e pior, com direito de nos julgar.
Eles estão entre os juízes e advogados, mas também entre os pastores e líderes, médicos, motoristas, e o cara do bar da esquina. Eles estão em toda parte, mas nós também estamos. Eles estão entre os “jornalistas”, como Rodrigo Constantino, que mesmo sendo demitido de múltiplos empregos por sua postura absurda, foi recontratado pela Jovem Pan há alguns dias. Recontrataram um cara que teve a coragem de emitir a seguinte opinião: “Se minha filha for estuprada nessas circunstâncias, ela vai ficar de castigo feio. Eu não vou denunciar um cara desse para a polícia”. Esse é o cenário. Isso mostra a necessidade de estarmos onde eles estão.
Nós estamos interrompendo as pessoas que questionam a vítima, nos levantando e explicando o porquê essa prática perpetua a violência, e quando tentam nos desacreditar, falamos mais alto, com dados, provas e inteligência. Detectamos as injustiças, nos mobilizamos para denuncia-las e expomos a máquina que continua a produzir a ideia de que a mulher é a culpada. Somos necessárias nos almoços familiares, igrejas, tribunais, nas ruas e em tantos lugares de injustiça, que às vezes parece que nunca vai ter fim. Mas seguimos adiante, e o fazemos para que as que choram, tenham quem as acolha.
A postura de Marielle Franco quando interrompida era inspiradora. Sua postura e voz firme, os constrangia. “Não serei interrompida. […] Não aturarei o cidadão que veio aqui e não sabe ouvir a posição de uma mulher eleita.”
Não se canse de falar. Não se cale. Sejamos nós as que os cansam, que os prendem, que os levam à exaustão, que levam a sociedade toda à mudança necessária.