Uma centena de dias e o chamado à mudança

Imagem: Bradley Ziffer | Unsplash

Nessa semana completei 100 dias em quarentena, saindo apenas para ir ao mercado ou para ajudar alguém. Uma centena de dias vendo as coisas piorarem é bem difícil, mas não tanto quanto ver gente achando que dá para continuar como está.

Há uma enorme quantidade de reflexões sobre a necessidade do mundo mudar. Eu não pretendo compor essa série. Quero compor a série que está questionando algumas coisas que se recusam a mudar, mesmo diante da escancarada necessidade.

Eu estou tentando avaliar as coisas nas quais eu preciso mudar, pois esse é o nosso ponto de partida para mudança: nós. Se olhar e se questionar é um passo muito importante para começar toda mudança, especialmente a que faz a gente entender que nem tudo é sobre a nossa necessidade de passear.

Eu vejo igrejas abertas, funcionários que conseguiriam trabalhar de casa ou que poderiam ficar em casa por enquanto lotando o transporte público, shoppings abertos (o que me deixa realmente chocada), e tantas outras coisas que deveriam gerar indignação fácil em cada pessoa durante uma pandemia com mais de um milhão e trezentas mil pessoas contaminadas e mais de cinquenta e sete mil pessoas mortas (só no Brasil), mas eu vejo muito pouco o sentimento coletivo mínimo que isso deveria gerar.

Eu preciso reconhecer que estou falando de uma posição bem privilegiada de quem tem estrutura e possibilidades de não se expor. Eu trabalho com coisas que posso produzir de qualquer lugar com internet e um computador. A porcentagem de pessoas que tem esse conforto no Brasil é muito, muito pequena. Afinal não exige apenas a possibilidade, mas a consciência do setor onde atuam. O que precisamos, como um todo, é entender que todo mundo vai precisar mudar e isso inclui pessoas, sistemas, comportamento e claro, eu adoraria que também o atual governo brasileiro, só para que isso fosse mais possível.

Esperar que as coisas melhorem sem mudarmos radicalmente, é um absurdo.

Falando mais especificamente do meu grupo, eu fico particularmente mais chateada ainda com o potencial perdido entre as pessoas que estão na igreja. Eu vejo tanta gente compartilhando o versículo abaixo, mas ignorando completamente o trecho em destaque:

“Se eu fechar o céu para que não chova ou mandar que os gafanhotos devorem o país ou sobre o meu povo enviar uma praga, se o meu povo, que se chama pelo meu nome, se humilhar e orar, buscar a minha face e se afastar dos seus maus caminhos, dos céus o ouvirei, perdoarei o seu pecado e curarei a sua terra.” – 2 Crônicas 7:13,14

Não é só orar e confiar não. É essencial mudar. “Se afastar dos seus maus caminhos“, é vital, e “maus caminhos” é achar que está tudo bem morrer mais gente para morrer menos empresas, é achar que não tem problema as pessoas continuarem se contaminando em uma pandemia, contanto que estejam permitidos os cultos, bares, academias e salões. Como um cristão pode conceber isso?

Nós precisamos defender uma mudança radical, e ela começa pelo direito e dever das pessoas ficarem em casa e de conseguirem seu auxílio emergencial para se alimentar, enquanto pagam suas contas e mantém seus empregos. Consiste em defender que pequenas empresas consigam empréstimos dos bancos milionários e do Tesouro Nacional para não quebrarem ou demitirem, e para que tudo isso seja mais fácil e menos burocrático. Todos deveriam concordar em exigir que os processos para se alcançar essa situação menos injusta fossem livres de pessoas criminosas e má intencionadas que continuam espalhando uma quantidade massiva de conteúdos falsos para fazer as pessoas defenderem o que é bom para uma minoria rica que não quer perder seus privilégios, e não para si mesmas.

Eu realmente queria entender quem investe tempo em qualquer outra coisa que não seja proteger e repensar a vida nesse momento. Se tiver alguma teoria, por favor me avise.

Cem dias em casa na maioria do tempo me possibilitaram organizar várias coisas, começar algumas mudanças que eu queria e aproveitar muito bem o tempo em que estaria no transporte público, mas eu penso todos os dias na injustiça imensa que é as pessoas não terem essa opção.

Nós precisamos falar sobre isso e esse texto é só uma partilha de incômodos mesmo. Esse é um canal onde falo com algumas pessoas que pensam como eu, mas também com uma rede de contatos que pensam bem diferente. Espero incomodar as pessoas que a compõem também.

Esse é o chamado à mudança: incomodar, questionar e permanecer indignada. Caso contrário, passaremos mais algumas centenas de dias, até passar a naturalizar a morte de quem deveria estar vivo, como fazem alguns membros do governo, que nem Ministro da Saúde se preocupa em ter para minimizar os danos.

Incomode! Repita sem parar que o Bolsonaro representa uma política de morte, sem medo de ser tido como chato pelos seus parentes e amigos. Apresente cada argumento, notícia e informação, mas acima de tudo permaneça dialogando, mesmo sem entender o porquê de não entenderem. Eu não entendo, mas não vou parar. Até a mudança chegar.

1 comentário em “Uma centena de dias e o chamado à mudança

  1. Ótima reflexão! Também venho sentindo muita indignação nos últimos tempos. É uma realidade difícil demais, dura demais.. mas vamos seguir no caminho da mudança. Espero em Deus e na conscientização das pessoas que este governo mude tb.😟😟

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