Esperança sem ignorar a realidade

Imagem: Lina Trochez | Unsplash

Tenho sonhado que estou na rua sem máscara de proteção. No sonho sempre entro em desespero e penso em voltar para casa ou procuro um lugar onde possa comprar. Hoje saí de casa depois de algumas semanas e passei por um moça sem máscara. Ela estava no celular comentando sobre uma festa de aniversário em que tinha ido. Nesse exato momento, o barzinho na esquina de casa está cheio, e as pessoas também estão sem máscara. Não temem o vírus, nem a multa, nem a morte. Talvez não acreditem no vírus, na multa e na morte.

O objetivo da minha saída foi ver meus pais, irmão, avó e tio do portão. Mantenho a distância, mas minha cachorra não. Ela adora abraçar meus pais e meu irmão. Eu também, mas há quase quatro meses não faço isso. No entanto o pessoal do Leblon pensa diferente. Não de mim. Pensa diferente da Organização Mundial da Saúde, de todas as organizações internacionais e das pessoas que passaram anos estudando infectologia.

O Governo Federal me diz para não contar as mortes. O Ministério da Saúde diz que o placar é da vida, mesmo que não consigam (ou não queiram) uma pessoa para assumir o ministério há mais de 50 dias. O Governo Estadual e a Prefeitura disseram para começar a abrir tudo, mesmo sem testes suficientes e o contágio em alta na cidade de São Paulo. Já o presidente, até a máscara descarta, mesmo sendo ela o único item eficiente de combate à pandemia.

Minha igreja permanece fechada, mas eu passo e vejo algumas abertas. Provavelmente àquelas que ouvem Edirs e Malafaias conduzindo seus rebanhos aos abismos mais próximos.

Eu tenho sonhado durante a pandemia que me perco, que algo não dá certo, que perco a hora. Isso dormindo. Mas eu tenho sonhado durante a pandemia, com os projetos para ajudar as pessoas mais prejudicadas depois desse tempo, com as viagens que ficaram suspensas até tudo melhorar e com um futuro. Esperança sem perder a noção da realidade.

Hoje a lua está linda, minhas plantas estão cuidadas e as orquídeas foram para UTI que eu aprendi a fazer. Minhas minhocas da composteira estão bem, minha casa foi totalmente faxinada e eu estou assistindo pela quadragésima sétima vez o mesmo romance antes de dormir. Assisti o culto ao vivo da minha igreja, conversei com amigos de lá mais cedo na Escola Dominical, e tenho feito o possível para não perder a cabeça nas indignações, limitações e saudades. Considerando a realidade, meus desafios são mínimos. Talvez os seus também. Mas todos os desafios vão gerar lições nesse tempo, e eu realmente espero que todas elas nos ensinem como humanidade no futuro, pois agora não está ensinando.

A pandemia não acabou. E não é que ela não acabou para mim. Hoje é dia 5 de julho de 2020. Morreram 535 pessoas por Covid-19 oficialmente nas últimas 24 horas, totalizando 64.900 óbitos pela doença no país, e mais de 1,6 milhão de pessoas infectadas. Se você orou pela Lombardia, não deveria achar que tudo está normal agora.

Sei que meus textos podem não estar animando muito ultimamente, mas acho que seria desonesto pensar em apenas animar. Há esperança sim, mas a esperança só me parece eficaz para quem entende o que está acontecendo.

A pandemia não acabou.

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